Para comemorar com chave de ouro o centenário de um dos mais nobres compositores da nossa música, há quem não meça esforços. O caso dessa personagem é assim: "por amor mesmo", como ela mesma diz. Com pouca renda e quase sem nenhum patrocínio, a CYa. Grita Absoluta está em cartaz com a peça Noel Rosa - o poeta, o músico, cronista de uma época.
A diretora, produtora, amante e faz-tudo Cybele Giannini(foto), a partir de 2006 começou uma trajetória diferente, inusitada e apaixonante. Com alguma influência de um professor nos anos 70 que cantarolava Noel em suas aulas, e após ter lido em 90 a sua biografia escrita por Carlos Didier e João Máximo, a entrevistada partiu para a escrita desse texto que tem encantado o público de São Paulo. Sim, porque no Rio – berço de Noel - onde a peça deveria estar em cartaz no próximo ano, a CYa. não tem condições de vir. O espetáculo além de emocionar, conta toda a história da vida do músico e aborda a origem de, pelo menos, 30 das músicas que ele compôs. Não é incrível? Para isso, Cybele conta com a força e boa vontade de toda a sua equipe e com a maravilhosa participação do grupo JB Samba. Essas e outras curiosidades sobre as dificuldades e o prazer de manter uma peça que exige tanto como essa homenagem, Cybele conta agora. Confira.
1 - De onde veio a inspiração para homenagear um compositor como Noel Rosa?
Tive, no cursinho pré-vestibular, nos anos 70, um professor que cantava em classe, e um dos compositores favoritos dele era o Noel. Dessa forma, conheci melhor a obra dele. Nos anos 90, comprei a biografia de Noel, do Carlos Didier e do João Máximo, que aí me mostraram o lado humano de Noel, o humor malandro, a intensidade de viver. Então, em 2006, decidi escrever esta peça e para isso comecei a ler e ver tudo que se referia a ele. Não é preciso dizer que fiquei mais apaixonada. Se eu o tivesse conhecido, certamente seria uma das inúmeras mulheres que caíram em sua lábia.
2- O Noel teve alguma influência na sua vida?
Sempre gostei muito da música dos anos 30, 40, 50, apesar de não se tratar da minha geração, mas da minha avó e da minha mãe, mas era só isso até eu escrever a peça. De 2006 para cá, eu "como" e "durmo" Noel Rosa. Para você ter idéia da importância desse projeto para mim, quando fomos convidados para, em 2007 (70 anos da morte dele), fazermos uma pré-estreia no Centro Cultural São Paulo, vendi meu carro para confeccionar figurinos e alugar microfones, etc. Desde lá, não parei mais. Esperei 2008 inteiro, mas foi só neste ano que conseguimos ficar 2 meses em cartaz no Sérgio Cardoso, mais 2 no Corinthians e agora vamos para o Avenida. Contamos com a Lei Rouanet para patrocínio, mas, como não somos conhecidos, ninguém quer dar-nos essa verba, que nos ajudaria muito, já que tudo é tirado do nosso bolso; quase nada entra. É amor mesmo.
3- Já fez trabalhos que envolviam grandes nomes como Nelson Rodrigues e Chico Buarque, fazer Noel Rosa é diferente?
Fazer Noel é muito diferente. Foi o melhor (e mais trabalhoso) espetáculo que já fizemos, em razão das músicas. Em Suburbano Coração, usávamos playback; agora, não. Temos de cantar direitinho acompanhados pela banda. Então fomos muito dedicados, porque, no elenco, o único cantor é o Glau Gurgel (foto), que faz o Noel. Todos os outros são atores que cantam. Mas tivemos de aprender para não desmerecer o nosso mestre.
4- A pesquisa para a elaboração da peça foi muito vasta. Você conheceu Vila Isabel ou teve contato com alguém do bairro que foi berço de Noel Rosa?
Eu fui a um bar na Vila Isabel há muitos anos, mas não cheguei a ver a estátua de Noel, nem a calçada (só por filme e fotos). Tenho muitos amigos no Rio, mas ninguém da Vila. Para elaborar esse roteiro, fiz uma pesquisa profunda em várias biografias (dele e de seus companheiros), filmes, CDs, etc.
5- Qual é a expectativa e a sensação de estender a temporada de um teatro para outro?
No Sérgio Cardoso, a temporada foi maravilhosa; no Corinthians, o público diminuiu um pouco em razão da distância e do desconhecimento de que no clube há um teatro. Agora, no Avenida Club, em Pinheiros, esperamos que lote de novo.
A sensação? É maravilhosa!
6- Em 2010 é o centenário do nosso homenageado. O que vocês esperam de público para esse ano e até quando a CYa. pretende ter a peça em cartaz?
Meus planos seriam continuar até dezembro de 2010, no aniversário de 100 anos, mas preciso conseguir patrocínio, porque a CYa. tem 12 atores e 7 músicos, fora os técnicos e assessores. Muitos não aguentam e desistem pela falta de cachê. Para bancar esse pessoal, é difícil. Mas há aqueles que estão desde o início da CYa. e outros muito bons que entraram que topam continuar mesmo com quase nenhum benefício (nosso pagamento é a divisão da bilheteria, depois de tirarmos os encargos).
7- Existe algum projeto da peça passar pelo Rio de Janeiro no próximo ano?
Pois é, o que eu mais queria era levar esta peça para o Rio, mas onde conseguir verba para isso? O projeto existe, sim, claro, mas, sem dinheiro, com o que temos de cenário e mobiliário seria inviável. Na semana passada, até fomos para Araras apresentar o espetáculo, mas foi uma loucura. Além de muito cansativo, porque os atores é que carregam e montam cenários, precisaríamos de dinheiro para pagar transporte de todo o material e do pessoal.
Fotos: ROGER SPOCK
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